Inconstitucionalidade da MP 1.227 e insegurança jurídica criada para empresas

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José Miguel Garcia Medina Advogado Caricatura por Spacca

A Medida Provisória 1.227, publicada semana passada, enfrenta graves problemas de inconstitucionalidade. Em minha opinião, essa medida viola uma das bases fundamentais do Estado Constitucional Democrático de Direito: a segurança jurídica.

O texto da MP, conforme publicado no Diário Oficial da União em 4 de junho de 2024, tem como propósito limitar e revogar regras relacionadas à compensação de tributos federais. Em termos simples, a compensação tributária permite ao contribuinte utilizar créditos que possui contra a União, estados e municípios para abater ou eliminar débitos tributários, resultando na extinção do tributo devido.

No entanto, a MP 1.227 impõe restrições severas à compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Receita Federal. Além disso, revoga hipóteses de ressarcimento e compensação de créditos presumidos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.

Essa limitação gera grave insegurança jurídica para vários segmentos da economia, que possuem créditos de PIS/Pasep e Cofins e não poderão utilizá-los para abater os tributos devidos. Isso afeta diretamente o fluxo de caixa das empresas, aumentando os custos operacionais e, por consequência, impactando negativamente a cadeia produtiva, o emprego e, eventualmente, o bolso do consumidor.

‘Efeito surpresa’

Ademais, a medida entrou em vigor na data de sua publicação. Esse “efeito surpresa” prejudica a confiança dos empresários nos atos estatais. Como investir, se a qualquer momento as regras fiscais podem ser alteradas? Essa preocupação vale também para os cidadãos em geral. Afinal, se o governo pode surpreender os empresários, pode também agir de forma inesperada em relação a outros segmentos da sociedade.

Na área jurídica, existe uma figura conhecida como vacatio legis, que significa que uma nova regra legal entrará em vigor após algum tempo de sua publicação oficial. Isso permite, por exemplo, que as pessoas planejem suas vidas. No caso das empresas, toda sorte de estratégias é afetada, desde o ramo em que investir, quantos e quais funcionários contratar, onde fixar sua sede, quanto dinheiro aplicar em um negócio, quem fornecerá a matéria prima a ser utilizada na produção, etc.

Porém, a MP 1.227 entrou em vigor imediatamente, logo após sua publicação. Ora, apenas novas regras que tenham pequena repercussão podem entrar em vigor quando de sua publicação (cf. artigo 8.º da Lei Complementar 95, de 1998).

Isso também tem impacto na judicialização. Inevitavelmente, os contribuintes irão à justiça para pedir a suspensão dessa nova disciplina que impede a compensação tributária. Muito se reclama no Brasil sobre a grande quantidade de execuções fiscais em trâmite, acusando-se os contribuintes de não quererem pagar seus tributos.

Mas o problema não está sempre no contribuinte. Inegavelmente, o próprio Estado tem boa parcela de culpa pela judicialização fiscal. Regras como a criada pela medida provisória aqui examinada fazem com que o contribuinte recorra à Justiça sempre que possível, porque o Estado, nunca satisfeito em sua fúria arrecadatória, deseja sempre cobrar mais, recolher mais. E, ao vedar a compensação tributária, o Estado dificulta que os contribuintes recebam aquilo que também lhes é devido. Isso, como é óbvio, gera mais e mais processos.

É injusto, portanto, atribuir ao contribuinte a culpa pela judicialização fiscal excessiva.

Como advogado, ex-conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça da mesma entidade, permito-me sugerir a esta tão importante instituição que considere pedir a suspensão dos efeitos dessa medida provisória ao Supremo Tribunal Federal.Medida tão radical e impactante, estabelecida em inovação legislativa de aplicação imediata, sem previsão de vacatio legis ou de regras claras de transição, é algo inaceitável no Estado de Direito, pois é incompatível com o princípio da segurança jurídica e com o princípio da confiança dos cidadãos nos atos do Estado.